"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso"

domingo, 1 de setembro de 2013

REFLEXÕES SOBRE A REVOLUÇÃO EM FRANÇA

Título original: Reflections on the revolution in France
Autor: Edmund Burke (1729-1797)
Tradução: Renato de Assumpção Faria
Editora: UNB
Assunto: História geral
Livro em português
2ª Edição - 1997 – 239 pág.


As Reflexões sobre a revolução em França foram escritas na primeira metade de 1790 e publicadas em novembro do mesmo ano, marcaram o ponto de partida de grande debate sobre a Revolução Francesa. Trata-se de uma obra de capital importância, já que é uma análise da Revolução contemporânea a ela, e, portanto, de inestimável valor histórico.
Partindo de uma crítica ao novo regime francês, Burke passa a considerar o sistema britânico e a defendê-lo de seus detratores, que desejam implantar na Inglaterra o sistema político do Continente.

As duas grandes preocupações do livro são, por um lado, a confrontação que Burke vê desenhar-se na França de 1789-90 entre o Estado de Direito e a lógica democrática da vontade popular e, por outro, o divórcio entre a classe política e os valores morais do Cristianismo. No primeiro caso, pode dizer-se que o autor diagnostica a grande contradição interna da Revolução Francesa, a qual, na teoria, consagra os direitos da liberdade individual, mas, na prática e nas idéias de seus líderes, cria de fato condições para esta ser afogada à nascença. Isto porque, nas preocupações dos revolucionários, a democracia (ou o governo da vontade popular) acabou por se sobrepor ao liberalismo e à sua exigência de governo da lei; triunfou afinal um “governo comunitário” em que a vontade dos muitos ou dos mais se torna lei e não uma nova legalidade que garantisse a inviolabilidade da vida privada de cada indivíduo e a limitação das ações do Poder. E haviam sido precisamente estas garantias legais e liberais que a Gloriosa Revolução inglesa de 1688 e o seu Bill of Rights estabeleceram do outro lado do canal da Mancha, forçando o poder político inglês (também uma monarquia) a circular nos carris da legalidade e a não descarrilar para a tirania e o voluntarismo.
Em França o que acontecia não era a passagem pura e simples de uma monarquia para uma democracia, mas a passagem para o caráter absoluto do Poder. Burke observou, com razão, que o que importava não era acabar com o poder arbitrário de um rei para substituí-lo pelo poder arbitrário da maioria ou dos seus representantes, mas garantir que governantes e governados estivessem sujeitos a regras legais universais – por isso Burke apoiou a “Revolução” americana, perfeitamente liberal, legalista e só depois democrata e condenou a Revolução Francesa, furiosamente democrata, imperfeitamente liberal e não legalista. Viu ele ainda na destruição sistemática de todas as instituições antigas da França a criação de uma situação ainda mais perigosa para a liberdade do que a existente antes de 1789 porque, mesmo que imperfeitas e cheias de abusos, elas mantinham entre si um equilíbrio de poder essencial para a paz civil; mas o vazio então criado, alertava Burke, ia pôr a França à mercê de todos os aventureirismos sangrentos que se pudessem imaginar; daí que ele previsse logo em 1790, muito antes disso acontecer, o descambar da Revolução na anarquia e depois na ditadura (com os jacobinos e Napoleão). E não deixou também de prever que dificilmente a França se recomporia desse vazio de leis e instituições, o que hoje, à distância de dois séculos, é confirmado pela sua evolução política até aos nossos dias, com todos os seus golpes e contragolpes, regimes e constituições, contrastando com a vida política pacífica e deslizante da América e do Reino Unido.
A outra preocupação das Reflexões era o anticristianismo dos setores mais radicais da Revolução. Aliás, a bem da verdade, não havia setores menos radicais na Revolução Francesa, ela foi de uma radicalidade e irracionalidade total e absoluta. Burke não era partidário de grandes intimidades entre o Estado e a Igreja e, muito menos, de qualquer fundamentação religiosa do Poder (o que ele sabia ser contrário ao próprio Cristianismo); o que ele temia era que o Estado e os governantes se tornassem maquiavélicos, isto é, que perdessem o sentido moral inspirado pela piedade e humildade cristãs e maximizassem sem limites os interesses da política, até ao ponto de nada nem ninguém ser suficientemente sagrado para escapar às paixões e às vontades temporais. Assim, tão fundamentais eram as garantias legais da liberdade individual como o caráter sagrado que o Cristianismo confere à pessoa humana, pelo que Burke não chegava a dissociar as garantias temporais do liberalismo das garantias espirituais do Cristianismo.

A Revolução Francesa não derruba um Trono, ela derruba um Todo e a personagem Nação sobe ao Trono como se fosse um ser vivo e real. E assim, Nação assume o caráter de um ser e o aspecto de uma pessoa... É uma convenção que se transverte de valor absoluto. O homem é destituído da realidade, Deus é morto e em seu lugar a Nação assume o poder sobre todas as coisas!

Este é o resultado que se produziu a partir de 1789, o marco inicial da decadência do homem espiritual. Não foi a queda da Bastilha, foi a queda do próprio Homem.

Hoje, o Estado divinizado assume o poder sobre todas as coisas. Ocupa o Trono de Deus, como se fosse o Próprio.

Graças a Burke ficou para a posteridade um farol de bom senso tentando iluminar a queda humana. Embora não seja profeta, suas preocupações são hoje tristes e sombrias realidades.

O Estado foi divinizado e o Indivíduo escravizado a ele.